A pequena Ñusta

 

Era uma vez uma pequena sacerdotisa do jardim. 

Desde pequena, a menina sentia nos ventos, nos rios, nas estrelas a vida murmurando. 

Quando cresceu, encontrou ao seu redor o entramado delicado dos seres vivos e logo viu qual era sua vocação neste tear.

A pequena era uma cuidadora de lagos... 

Tinha um enamoramento pelas águas, desde pequena nadava, era amiga das águas calmas, sabia ler as ondulações, as poesias quietas. 

Quando outras amigas a visitavam, ficavam contemplando. 

A sacerdotisa contava como gostava de imaginar o profundo,  o Mistério e o cuidava sem saber, mas em votos silenciosos.

Costumava limpar a entrada do rio que oxigenava e mantinha vivo o lago do jardim...

Não era fácil, mas movia com seus dedos finos os gravetos, metia seus pés no lodo, suas mãos no charco de folhas mortas e limpava as algas,  permitindo que a luz penetrasse  a água gerando um clarão nas profundezas.

Até que um dia, pelo rio chegou algo estranho, uma pequena pepita brilhante. 

Tocou com muita atenção e surpresa a pedra.  Sentou ao sol com a pepita. Segurava, olhava. Não contaria a ninguém, afinal, precisava entender o que a vida lhe estava dizendo com essa pequena pedra que era mal vista no Jardim.

- Boa tarde, companheira. Alguma novidade? - Perguntou a sacerdotisa das pedras.

Teria que contar que encontrara uma pedra nova? O Jardim não tinha pedras assim, o ouro era dedicado apenas a feitura de artefatos importantes, as ñustas diziam que era para manter a harmonia da tribo. Mas nossa pequena sacerdotisa estava entusiasmada.

-  Nada de novo. - Respondeu de maneira breve, tentando fugir do assunto.

A ñusta das rocas, seguiu girando pela huaca, subindo e baixando, cheirando o chão para sentir como andava a temperatura por ali. As pedras eram muito sinceras.

- As pedras me dizem que há um ser que não é bem vindo aqui.

A ñusta do lago, olhando os olhos penetrantes da princesa mais velha  respondeu:

- É apenas uma pepita  que chegou pelas águas. Nada de mais.  

-  Mmm. Só uma pepita...

A pequena do lago mostrou de longe e logo fechou as mãos. A sacerdotisa mas velha exclamou:

-  Essas pepitas não trazem coisas boas a nós. Você devia saber disso, aprendemos nos primeiros graus de magia.

- Que pode fazer uma simples pedra.

-  Ou a compreendes... ou ficarás tomada por seu brilho. 

A ñusta do lago se levantou num salto, relutou em conversar e se foi. Levou à sua casa a "simples pedra".  Ficou olhando horas o pequeno ser. Depois de não saber o que fazer com ela, resolveu desenhar a pepita e ao pintá-la viu que ela cresceu!

A nossa sacerdotisa aprendiz descobriu que influía na pedra. Em um dia, já tinha o tamanho de sua palma.

Ficou encantada com seu poder de fazer crescer a pepita, ainda mais algo assim. Passou dias dentro da sua casa se dedicando a limpa-la, a colocava para dormir em sua cama, beijava suas pontinhas. A polia com carícias e teceu um pano andino para protege-la - dos outros olhos. A pepita ao final de duas semanas já tinha a altura de sua cintura! Começou a dançar a seu redor. 

O lago estava esquecido. Os musgos tomaram a superfície, o rio estava obstruído. As folhas apodreciam e a luz não penetrava mais em suas águas que no Jardim eram fluídas e vitais.

A Ñusta dos Adubos teve que vir retirar as plantas. Juntou barcas de adubo para horta. Fez todo o trabalho e descansou ao sol não entendendo onde havia ido parar a companheira do lago. 

A Ñusta das Hortas veio ver se havia acontecido que as águas da acéquia não chegavam mais no milho e com suas velhas mãos desobstruiu os canais. 

As companheiras pouco a pouco todas foram ficando preocupadas e no jantar que comemorariam a lua cheia não encontram a pequena uaiki que costumava ser a mais animada em convidar a todas a receber mama killa perto do lago.

- Deve ser a pedra...Encontrou uma pepita obscura.  

Chamaram a gran Ñusta do templo da Lua que lhes desse uma orientação sobre o tema. 

A maestra disse que só o companheirismo a salvaria.

As hermanas foram bater em sua porta, e a pequena não abria. Gastava horas tecendo aguayos para cobrir a imensa pedra que já tomava sua casa até o teto. 

Todos de fora viam que brilhava a luz da pepita dentro da casa de barro e pediam para entrar, mas ninguém respondia. Até que uma delas arrombou a porta e aí estava, a imensa escultura com uma manta protetora e a menina com ares hipnóticos. 

A pequena aprendiz de sacerdotisa a princípio expulsou as hermanas e todas não sabiam que fazer, a sacerdotisa parecia atrapada em uma teia dourada. 

Na reunião da comunidade, foi decidido em assembleia que a pedra seria devolvida aos mundos-de-fora e que seria destruída até virar pó ao vento. A pequena guardiã do lago ficou desolada porque pensava que seu poder de fazer crescer ouro havia sido ignorado. 

Estava sob efeito da mala-piedra e não via a intenção de todos. Não queria mais servir às pequenas coisas que antes sentia ser o tesouro dos instantes...nem mais lembrava do Mistério.....

A vieja curandeira da tribo recomendou que fosse levada ao suyo do sul e ficasse um longo tempo no deserto para voltar a sentir o amor por Mamacocha, a senhora das águas, em seu coração. 

E assim todos companheiros esperavam pelo retorno da uaiki em um suspense real e profundo.


 Ganharia a pedra dourada o coração de sua amiga?




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