20 de novembro

A rodoviária estava, como sempre,  vazia. O radialista negro anunciava o dia da consciência negra. Fez a menção calorosa. 

De repente, um casal galego se deu um beijo, olhei para eles, encabulada, porque minha cara estava muito perto da deles, e era simplesmente uma fila de embarque. O programa de radio seguia.

Eles olharam ao redor, eu já estava mais longe, vinha uma senhora negra, com cabelo todo branco, brincos, colar de pérolas, simples e bela. Sua presença chamava a atenção pela postura esguia. Era tudo muito fluido, pelo calor. Então, o casal se olhou e abriu um espaço, pedindo por gentileza a senhora que ela entrasse ali. A gentileza era repedida várias vezes até que ela aceitou. 

O radialista voltou a tocar samba. Os cavalos seguiram pastando ao lado do ônibus. E subimos um a um. Havia outras senhoras idosas, mas essa foi chamada por esse casal, e não sei, mas quero acreditar que os brancos estamos aprendendo... pelos poros, pelos ouvidos, pela ação intensiva dos que se dedicam a reeducar o querer e o rechaço. 

Enfim, estou eu escrevendo essas linhas, aprendiz de abrir espaço, de muito mais que dar preferências. O radialista me tocou. O poema de victoria santa cruz na poltrona me tocou.

Há um longo caminho. Talvez o mais próximo que eu tenha sentido disso, foi quando eu era pequena, e era muito peluda e meus coleguinhas de aula todos os dias me gritavam Chipan, de chimpanzé. Aquilo doía bastante. Mas não sou negra, ser chamada assim foi pouco, comparado há séculos com os pesos da escravidão nas costas.

Ver o racismo, ver a linha do destino desenrolando-se nos detalhes e ser contra o que é velado e aperta, separa... o bicho maior, o estrutural. Farejá-lo. Adentro... onde nos sentamos confortáveis e outros não.

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