Conversa sobre escrita
- Conte uma história, mesmo que de maneira tosca e simples. O importante é contar o que queiras contar. Depois é cortar. Faça simples e conte algo que conheças.
Me disse isso sentado no sofá bege e olhando para esquerda com seu óculos fundo, como quem não quer dizer nada, mas diz, meio lacônico. Explicou que é preciso contar do começou ao fim.
Mas fiquei imaginando a dificuldade hoje de você contar uma história como em seu tempo de escritor, com aquele modelo de tempo, de cadência da vida e das informações, com herói e heroína que brilhavam em um mundo. Hoje o mundo se vai.
Então, olhando o enorme bicho de pelúcia ao seu lado, as estantes cheias de livros renegados por ele, O Poderoso Chefão, a Divina Comédia, Hemingway, Pancho Vila... vi que tudo já está contado pelos séculos. Realmente para que escrever.
Por que agora você começa a criar uma flor e pensa, o que sobreviverá ao Câmbio Climatico? Que passa-tempo até o Aarmagedom? Por quanto tempo se Adiará o Fim do Mundo, Quem sobreviverá a Queda do Céu, a Kaliyuga, a Pachakuti?
El siglo está perdido - disse o poeta.
Que herói poderia com essa retirada do próprio tecido da trama?
O assunto depois foi pra cozinha e completou o grau da desgraça, comentava da nova geração que não serve nem pra atender em balcão de frutas. Esse vício dos celulares. Uma epidemia de comida ruim, fakes, remédio pra cada diagnóstico, plantios com veneno... por certo não é culpa dos jovens, mas todos em postos do tabuleiro temos alguma responsabilidade.
Novamente me perguntava que história contar?
Falar sobre uma pessoa com sua trajetória falida e depois sua redenção? Ninguém como um haiku, como a própria natureza.
Falar dos que lutam hoje e naufragam? O clima esquenta e não há ficção que convença a todos dessa verdade.
Parece que já tentamos de tudo para nos convencer e nem se quer concordamos com o horizonte de paraíso que queremos em comum.
Os encontros socioambientais terminam com avanços tão pequenos que não sei se terra desistiu de si mesma. A paz palestina está cheia de prisioneiros nos porões de Israel. Perseguem ativistas, perseguem todos que tentam algo irruptivo, utópico.
O pessimismo na própria importância humana, suspeito, ser enfim, uma claridade. Não somos relevantes. Nosso humanismo teria que considerar essa desrelevância. Teria que amar o humano, mas não essa pretenção de que podemos com tudo.
Então uma simples aula de escrita se torna um abismo. Para que contar histórias?
Não contar.
Talvez o local de onde escreva hoje me influa. -Está aí, o local se solta, ele escreve. É o teu querido lugar que (de) fala. A cidade está farta de contar seus causos anímicos. Estou na cidade e ela fala. Ela é um personagem aflito. Mais que nunca não é paisagem. Paisagem fala.
Talvez o campo, talvez a floresta, talvez bem longe das informáticas e das gráficas e bem perto dos fogões camperos uma história recupere sua importância. Verei depois, por lá.
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