Mambembe
Na pequena cidade do interior de Minas não se tinha muito o que fazer. Teatro, cinema, eram coisas finas, raras. Janjan era jovenzinha, neta de dona Afonsa. Os pais trabalhavam longe e ela ficava com a vó e as tias.
Antônia, era sua tia favorita, estudava pra atriz, era a mais negra de todas da família e a mais valente. Assim dizia Janjan.
A vó Afonsa passava a tarde no pátio da frente lendo revistas e almanaques que chegavam pelos correios. Ela era surda, nunca ouvia o telefone tocar, então já deixava a porta aberta para qualquer um poder passar. Os vizinhos já sabiam que se ouvissem da calçada tocar era pra correr. Dona Afonsa nem ligava, seguia imersa nas revistas, enquanto lá e cá se falavam.
Só esperava mensagem do marido que vivia pelos matos passando fio de telefone. Enquanto seu Clóvis tecia os cabos por toda Minas, as revistas de dona Afonsa formavam um reduto na frente de sua casa, onde com cafés e biscoitos, os folhetos faziam seu trabalho de encantar e desinformar as vizinhas com fofocas e notícias do mundo.
Antônia influía na pequena sobrinha que acompanhava com rabo de olho os movimentos da mulher vente com seus namorados escondidos e retornos felizes dos ensaios de teatro.
Um dia a vó Afonsa contou para seu círculo de leitura que Erasmo, o afeminado amigo de Antônia, havia ido estudar no Rio, e agora tinha voltado a Minas.
Era verdade. Erasmo estava cheio de ímpetos e ideias pois havia passado anos estudando teatro om Boal e logo começou a frequentar o murinho da frente de dona Afonsa para confabular.
Entrou na graça de todos sua ideia metropolitana. Propôs criarem um espetáculo, sabia dos dons de sua terra. Isso não poderia ser coisa só da capital.
Em algumas semanas começaram os ensaios do teatro Mambembe.
A atriz principal para alegria de Janjan era sua tia Antônia. Ela era a Dona Patinha. A história era tão simples e fabulosa que entrou na graça da cidade. Tinha senhor Coelho, senhora Garça.... Erasmo teve a habilidade de escolher os icônicos do povo e fortalecer sua trupe. O chefe de polícia, que tinha um furgão velho, pinta dura e coração mole, lhe incumbiu o papel do vilão, senhor Raposo.
Seu Raposo na primeira apresentação brilhou tanto que quase não acreditavam que era o sargento. Todos mantinham alto os aplausos para o Raposo. Hoje pensando bem, poderia não ser seu talento, mas medo do cabra.
Janjan era a primeira da fila com seus vestidinho cheio de doces. Havia acompanhado todos ensaios, amava a parte da história quando o senhor Raposo era desmascarado. "Não, não case com ele Dona Patinha!!" Corria pra frente do palco para assistir e depois ia pros bastidores olhar de trás tudo e impedir que as coisas crianças entrassem. Tinha o pequeno orgulho de ser a única jovenzinha a transitar pra lá e pra cá.
Não demorou muito e virou contrarregra - palavra que por sinal lhe acompanhou por toda vida.
Viajavam pelas estradas mineiras, iam com a kombi do sargento, que havia fantasiado o carro com faixas de Mambembe.
Seu Raposo era patrocinador oficial do teatro Mambembe. Além do carro, oferecia comida e algumas bugigangas apreendidas. Gostava tanto do personagem vilão que Janjan lhe perguntou um dia na estrada, se estava certo um policial fazer um vilão e Erasmo, diplomático interveio. "Minina, tudo nos permite a arte!"
Fizeram muitas apresentações da Dona Patinha até cansarem e o Mambembe se desmanchar. Janjan trabalhou em todas peças, tinha 14 anos, e ali viu que o mundo era mais curto do que diziam, os vilões mais policiais do que diziam e sua tia Antônia era muito mais inteligente do que a dona Patinha lhe permitia mostrar.
O mambembe é essa coisa que acontece no coração da gente, para virar destino.
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